terça-feira, 4 de agosto de 2009

Ao som de Louis Armstrong - What a wonderful world-

Ainda me lembro da Rua Ipameri ,começava na frente da grande porta da Igreja da Matriz ,onde a atmosfera religiosa fervilhava de segunda a segunda.Carrinhos de pipoca,algodão doce e a meninada do Colégio Santa Clara de camiseta bege e calça verde musgo.Eu sempre saía da missa das crianças dominicais e ia direto pra casa dos meus avós,bastava descer os degraus da entrada e já estava lá,na Rua-Mais -Saudosa -E -Protetora.Eu me lembro: era tanto carinho,eram tantos cheiros ,o portão enferrujado com o longo corredor a frente ,muro molhado onde eu sempre passava a mão e depois olhava pra terra nas pontas dos dedos ,do lado esquerdo a enorme mangueira cuja copa cobria todo o quintal da frente da casa de vovó.A casinha de madeira azul da preta ficava exatamente colada no tronco da mangueira e toda vez que eu entrava ela vinha me lambendo e batendo aquele rabo que soltava os pelos tipicos dos pastores alemães.
Algumas vezes eu evitava abrir o portão baixinho e pulava o muro cheio de lodo e prestava toda atenção do mundo pra não bater com os dentes nas pedras de pirenópolis que antecipava o alpendre retangular cheio de samambaias e chão vermelho batido obssessivamente encerado...
A porta era de vidro caroquento com alguns arabescos soltos e uniformemente distribuídos .Já na sala ,Dona Marta vinha com os dois braços abertos como numa dança pra me abraçar e me apertava sempre forte dando aquela cheirada sonora na nuca pra demonstrar o afeto com mais intensidade.Eu sentia e ainda tenho o cheirinho dela comigo.Meu avô Mané Branco com seus 1,90 de altura,cabelos brancos espetados e olhos azuis quase cinza sempre sentado lendo jornal, o óculos de massa meio caído me esperava ritualisticamente pra recitar seus poemas: "Morena por ser morena tanta graça que tem,que as brancas sentem pena de não ser morena tambem",eu repetia duas ,tres vezes ate acertar e ele me dava mais abraços como premio pelo acerto da rima.No corredor do fundo tinha o André,um papagaio locutor que me deixava encucado porque ele nunca errava os poemas que meu avo recitava...Isso me dava insistencia pra me igualar a ele,imagine um papagaio?
E sempre ,quando abria a geladeira ,as gelatinas coloridas em cubinhos mergulhadas na outra que tinha leite condensado .Todas nas tigelinhas marinex num ambar como cor.O bicho papão morava atrás da cortina da sala .Eu sempre evitava abri-la,mas não tinha medo,era como se eu soubesse que ele não ousaria aparecer pela força e proteção dos meus avós.
Hoje eu quase nao vejo minha avó,me sinto culpado pela renuncia ,sei que ela precisava muito da presença constante e ter o minimo de retribuição ao amor e doação impagável de ternura e cuidado que ela me deu.
Meu avô ,tempos atrás veio me encontrar num sonho realidade vestido com uma camisa de tergal azul ,primeiramente foi o cheiro que me fez o conhecer e depois me disse aquelas coisas que definem o amor,aqueles conselhos e aquelas motivações lúdicas e cheias de sabedoria...
Dessas impressões,fica uma saudade grata e uma consciencia de estar fazendo pouco por ela .E hoje eu reclamei tanto esperando dos outros...

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